Por - Tim Vickery |
É questão de tempo até os brasileiros começarem a ter maior impacto em grandes clubes europeus. Eles são muito talentosos para serem mantidos fora dos "portões" da Europa para sempre
A Copa do Mundo é cruel – 15 minutos ruins, um cartão vermelho ou uma decisão polêmica do juiz podem bastar para acabar com o sonho do título. Ninguém pode garantir o sucesso. Como o técnico da seleção brasileira masculina de vôlei, Bernardinho, costuma dizer, "o desejo de se preparar tem de ser maior do que o desejo de ganhar." E, no caso da seleção de futebol, a preparação dificilmente poderia ter sido melhor.
Um ano atrás, tudo ainda era muito duvidoso. Mas, depois de junho e julho passados, o Brasil não só ganhou a Copa das Confederações, como conquistou os torcedores. Mais do que isso, o técnico Luiz Felipe Scolari encontrou um time e trabalhou muito bem a sua identidade.
Júlio César no gol, um quarteto defensivo com Daniel Alves, Thiago Silva, David Luiz e Marcelo; Luiz Gustavo e Paulinho como volantes e uma linha de três, com Hulk, Oscar e Neymar, que flui muito bem atrás do centroavante Fred – foi primeiro time que ele testou e é o time que joga até hoje.
Ele conseguiu formar esse time em um mês, sem a vantagem de jogar as eliminatórias Sul-Americanas da Copa do Mundo para moldá-lo. Essa é uma conquista notável e o que veio depois disso foi igualmente impressionante.
Depois de estabelecer o time base, Felipão usou os amistosos subsequentes para observar alternativas a ele. E tudo parece ter funcionado; a volta do Ramires como opção para o 4-3-3, Maicon e agora Rafinha testados como reservas na lateral direita, Maxwell na lateral esquerda e Daniel Alves também improvisado nesta posição; William muito bem incorporado na frente, uma experiência com Robinho jogando de "falso 9". E também o volante Fernandinho foi trazido, embora ele seja visto mais como uma alternativa a Paulinho do que a Luiz Gustavo, como primeiro homem do meio-campo.
As experiências de Felipão têm dado certo não só por causa da qualidade dos jogadores, mas também porque o time em si está funcionando bem. Uma das regras de ouro do futebol é que as estrelas brilham quando o equilíbrio coletivo está correto. Neymar foi manchete em todos os jornais depois do amistoso contra a África do Sul sem nem ter jogado tão bem – todos nós já vimos performances muito melhores dele. Marcar três gols em um jogo naquelas circunstâncias não é apenas uma homenagem ao seu talento diferenciado, mas também ao trabalho coletivo que foi construído pelo Felipão e toda a sua equipe técnica.
Mas Felipão, e os técnicos brasileiros em geral, ainda têm um impacto tão pequeno nos clubes de futebol da Europa... Eles mal podem reclamar que as portas do mercado de lá estão fechadas para os sul-americanos. Afinal, o futebol inglês acabou de ter uma final da Copa da Liga Inglesa entre um time treinado por um chileno (Manuel Pellegrini, do Manchester City) e outro treinado por um uruguaio (Gus Poyet, do Sunderland). Enquanto isso, Mauricio Pochettino, da Argentina, está indo muito bem no Southampton. Seu compatriota, Diego Simeone, é outro que vai bem no comando do Atlético de Madri, na Espanha, onde o também argentino Marcelo Bielsa teve anos brilhantes treinando o Athletic Bilbao. E o comando do Barcelona foi dado a outro "hermano", Tata Martino.
Comparados com os técnicos, os jogadores brasileiros estão distribuídos pelo mundo. Talvez haja uma desconfiança natural lá. O futebol brasileiro produz tantos bons jogadores, que sempre ficam com o crédito quando as coisas vão bem, enquanto os técnicos são sempre os bodes expiatórios para quando as coisas vão mal. Mas Felipão teve uma chance no Chelsea. Vanderlei Luxemburgo teve outra no Real Madrid. Nenhum deles teve muito tempo, é verdade, mas eles deram pouquíssimos sinais de que seriam capazes de repetir o sucesso que tiveram nos clubes que dirigiram no futebol brasileiro.
Então por que isso acontece? Seria injusto mandar embora técnicos desse calibre como meros motivadores. Felipão, Luxemburgo e outros técnicos brasileiros têm um cérebro e um olhar tático afiados. Parece claro que o "elemento humano" é uma parte importante da explicação.
O vestiário no futebol brasileiro existe em um tipo de cultura única, onde muitos estão procurando a figura de um pai. O vestiário em um clube grande do futebol europeu atualmente é um lugar multilíngue e multicultural. Há poucos elementos na sociedade brasileira que podem preparar um técnico para lidar com tamanha diversidade. Para aqueles que foram criados em uma visão mundial em que a população toda é dividida apenas entre "brasileiros" e "gringos", pode ser difícil entender as nuances envolvidas ao lidar com jogadores da África, do leste europeu e das Américas, todos no mesmo vestiário. Isso torna mais difícil a tarefa do técnico brasileiro de exercitar sua especialidade, que é transformar o grupo de jogadores em uma "família". Depois de deixar o Chelsea, Felipão lamentou que a relação dele com alguns jogadores nunca ultrapassou o profissional. Eles buscava mais. Talvez os jogadores não estivessem procurando pela figura de um pai.
Uma vez eu vi o nômade português Carlos Queiroz dar uma palestra justamente sobre esse assunto. Atualmente treinador do Irã, mas com muita experiência em vários lugares do mundo, Queiroz falou sobre a importância de abandonar a cultura do "pastel de Belém". Nada contra o doce delicioso – Queiroz é um grande fã dele. Mas ele argumentou que é um pouco perigoso levá-lo consigo. Em vez disso, depende dele ir além da fronteira e se adaptar à cultura local. Não está claro se os técnicos brasileiros estão sempre preparados para fazer isso. Talvez haja muito feijão em suas mentes (e em suas barrigas).
Talvez também eles tenham a concepção brasileira de "clubes grandes" e "clubes pequenos" já fixas em suas cabeças. Muitos aqui não percebem que essa divisão talvez não se aplique às principais ligas europeias, que clubes que podem ser vistos como "pequenos" de fora, na verdade têm uma torcida significativa e uma importância grande para as comunidades de onde vieram. Felipão e Luxemburgo foram direto para clubes gigantes com grandes ambições e paciência limitada. Estaria um grande técnico brasileiro preparado para construir uma carreira na Europa começando em clubes menores? Manuel Pellegrini fez isso na Espanha - depois de ter comandado o gigante de Buenos Aires River Plate, ele foi para o "modesto" Villarreal no futebol espanhol.
Com certeza é uma questão de tempo até os técnicos brasileiros começarem a ter um impacto maior em grandes clubes europeus. O trabalho de Luiz Felipe Scolari com a seleção brasileira mostra que eles são muito talentosos para serem mantidos fora dos "portões" da Europa para sempre. Talvez os pioneiros sejam aqueles que tiveram experiência de jogo do outro lado do Atlântico, aqueles para quem o jogo dos clubes europeus não apresentam nenhum mistério. Aqueles que estão preparados para trocar o feijão por um kebab ou curry picante.
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