Pepe vocifera e tenta intimidar Thomas Müller, que não lembra direito do lance (Foto: Getty Images)
Qual é o problema de Pepe?
Este texto nem sequer é sobre o Pepe. É sobre o “não és de cá” implícito com que tratamos quem chega de fora, mesmo que já tenha chegado há tantos anos que não conheça outra casa se não esta.
Texto de Nuno Andrade Ferreira
O problema de Pepe é que não nasceu nos PALOP. O azar do jogador é que, quando fala, o que lhe sai é aquele português musical (antes abrisse as vogais). O que calha mal ao internacional é não ser filho do “grande império”.
Teve Pepe a aparente pouca sorte de ter procurado melhor sorte em Portugal, ter insistido, conseguido e ficado. De ter, por vontade própria, pedido a nacionalidade do país que escolheu como casa. Mas aquilo de que Pepe se pode queixar, acima de todas as coisas, é de ser Brasileiro. É de não corresponder ao aceitável padrão lusitano, de não encaixar no ideal de português aceitável que, como se sabe, deve de ter nascido entre Bragança e Ressano Garcia.
Tolerar a portugalidade de Pepe — de Deco, do Liedson, do Jair, que trabalha na Caparica, e da Heloísa, que vive na Amadora — implica que se mantenha fino, que não levante a crista e que, de preferência, evite abrir a boca. Desculpávamos-lhe tudo, até o mau feito, mas só se não fosse de Maceió. Porque é que nunca ninguém questiona o amor à pátria dos internacionais nascidos nas antigas colónias? Talvez seja porque, para alguns portugueses (espero que cada vez menos), “África é nossa”. É este síndrome pós-colonial que nos faz aceitar o Rolando e o Nani, mas repudiar todos os outros que, nas mesmas condições, tentaram por cá a sua sorte.
O acto de Pepe, no jogo contra a Alemanha, foi inaceitável. Um comportamento inadmissível, que nos deve envergonhar, e que só pode ser punido. Agora, o que aquela cabeçada não justifica é a abertura da caixa de pandora do racismo e da xenofobia. Ainda há por aí muito preconceito reprimido. O mesmo complexo com que olhamos para o Quaresma (não fosses tu cigano, rapaz, e ias ver como tinhas a vida muito mais facilitada!) ou que usamos para definir todas as brasileiras como… vocês sabem.
Este texto nem sequer é sobre o Pepe. É sobre o “não és de cá” implícito com que tratamos quem chega de fora, mesmo que já tenha chegado há tantos anos que não conheça outra casa se não esta.
Acreditem-me, que sei do que falo. Viver no estrangeiro, dedicarmo-nos a quem nos acolheu, sentirmos orgulho nas cores da bandeira, admirarmos as gentes e costumes, fazer parte de tudo isso, é um acto de amor. Como é que um país que tem uma diáspora tão grande — e a aumentar — pode passar a vida a questionar o sentir de quem quis — o poder da escolha! — fazer parte deste lugar em crise?
FONTE :
http://p3.publico.pt/actualidade/desporto/12596/qual-e-o-problema-de-pepe
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FOTO : autor desconhecido .
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