Na foto (acima): Danilo Menezes ( ex-ABC e Vasco da Gama ) ao lado de José Prudêncio Sobrinho. Autor da imagem = desconhecido.
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José Prudêncio Sobrinho foi o Giovanni di Pietro di Bernardone da Frasqueira. Giovanni di Pietro se tornou São Francisco de Assis. O primeiro foi o franciscano do ABC de Natal. Os dois fizeram votos de pobreza em amor à causa que abraçaram.
Um usava capote coberto de mangas largas, defendendo a palavra de Cristo em favor dos humildes. O franciscano alvinegro tinha um chapéu-coco estilo do sambista Adoniran Barbosa, torta concordância verbal e uma adoração ortodoxa por um time de futebol.
José Prudêncio Sobrinho, ou Pruda, seria hoje um próspero comerciante em Natal.
Foi considerado homem rico e consentido na aristocracia de uma cidade aldeota com suas lojas de bateria que foram sendo vendidas, uma a uma, em nome dos santos gols de Alberi, João Galego, Burunga, Petinha, Jorge Demolidor e Danilo Menezes, a sua congregação futebolística.
O Pruda simplório e transcendental fez uma escolha que dignifica o homem verdadeiro. Tomou partido, adotou um lado, decidiu sem pestanejar, teve coragem, desprendimento e não capitalizou, cobrou ou propagou suas benfeitorias. O homem autêntico não tergiversa, nunca tangencia, nem capitula. Decide. Mostra a cara, compra a briga, defende o que é seu sem medo de nada. Para florescer ou padecer.
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Pruda elegeu o ABC sua razão de viver com voto único e multiplicado pelas faces que formam o rosto humilde dos estádios do Rio Grande do Norte . O rosto alegre de uma cidade, como já disse um poeta inspirado nos anos de chumbo.
Prudêncio, o franciscano, sacrificou seus negócios e sua família pelo bem-querer que saltava dos seus olhos miúdos e de certo ar melancólico. Deixou o ABC quando só lhe restava a casa de morar, disse ele em documentário histórico sobre os 80 anos do ABC, produzido em 1995 pelas jornalistas Bernardete Lago e Ana Cláudia.
Prudêncio saiu do tempo cotidiano para virar lenda. E as lendas resistem à poeira do esquecimento, da injustiça e do desdém. Da ingratidão.
As gerações que freqüentaram o velho Estádio Juvenal Lamartine sabem da dedicação franciscana de Pruda ao seu clube. Ou ao seu time. O seu tino era o rompante, sua frieza empresarial chamava-se renúncia sem apresentação de fatura.
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Pruda foi o evangelista do Mais Querido. E tinha, em Alberi, o seu Deus carnal, seu filho adotivo, seu ídolo e salvador. O Messias de sobrenome Ferreira Matos foi o maior presente que o ABC, em corpo e sangue, ofereceu ao franciscano da frasqueira.
Pruda era o torcedor feito cartola. O desesperado pagador de contas que surpreendia os seus companheiros mais rígidos, mais pragmáticos, menos tomados pela loucura que autentica o cidadão que ama um distintivo mais do que a si mesmo.
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E Pruda foi feito história sem ter sido canonizado , como São Francisco de Assis em 1228 por Gregório IX. São Francisco, o Giovanni de Pietro que renunciou à vida burguesa estável e de ostentação para transmitir aos homens, eles quisessem ouvir ou não, as lições da generosidade e do compartilhamento, tão presentes nas orações e escritos, escassas demais na prática.
O prestígio cosmético de um ser humano, por macabro que seja, mede-se em seu sepultamento.
No de Prudêncio, em 2002, poucos estavam no Cemitério Parque de Nova Descoberta. Lembro do aspecto apático de Alberi, distante do pequeno grupo, a indisfarçável elegância tomada de silenciosa nostalgia.
Lembro da triste prestação de contas do enterro de Prudêncio, com nota fiscal de funerária apresentada em público. Como se o seu caixão fosse o limite do seu fervor ao ABC. Nos retiramos, eu e o ex-presidente Leonardo Arruda, em respeito a Prudêncio e em protesto à pequenez.
Eis que o tempo corre e anuncia-se para o dia 21 de dezembro uma homenagem a Pruda, o Franciscano da Frasqueira. A quatro dias do Natal, será inaugurada uma academia de ginástica com o nome de José Prudêncio Sobrinho. E Pruda, saibam os mais novos, foi cartola, técnico, goleiro e preparador físico do ABC. A pobreza amplifica a devoção.
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Haverá quem reclame da dimensão física, do espaço em cimento e máquinas destinado à história de Pruda. O importante é o gesto que não se mede com equipamentos de engenharia ou placas de bronze.
O gesto pereniza, o nome se eterniza.
Prudêncio, como no cântico de São Francisco de Assis, amou mais do que foi amado, compreendeu mais do que foi compreendido, levou fé onde houve dúvidas. Levou esperança quando houve desespero.
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Homenagem justa a José Prudêncio Sobrinho que está e estará sempre junto ao ABC, pois a religião do futebol tem sua Bíblia particular e os mortos saem, sim, de suas tumbas para compor o sobrenatural das conquistas. Que o amor de Prudêncio, mais do que exemplo, seja modelo e grandeza nas ações de um clube ungido pelos pobres.
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O TEXTO ACIMA é de autoria do jornalista Rubens Lemos Filho.
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Na FOTO (acima) temos o saudoso José Prudêncio Sobrinho. Autor da foto = desconhecido.
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